A mãe fazia questão de dar às duas meninas o mesmo trato, o mesmo afeto e, de vez em quando, as mesmas broncas. As roupas se diferenciavam em pequenos detalhes: a cor, a estampa, a abertura nas costas, ou de lado; as manguinhas retas, ou japonesas; o decote em V, ou redondo. A cor para Gabriela variava em tons azuis para combinar com seus olhos. Até nas presilhas que viviam escorregando dos cabelos muito lisos, quase louros.
Qualquer cor combinava com o castanho dos olhos e dos cabelos, mais para o crespo, de Vírgínia. Caprichosamente vestidas, os pais se sentiam orgulhosos em exibi-las nos passeios, festas, viagens. Nem todo esse cuidado conseguiu poupar Virgínia dos encantos de Gabriela. Qualquer estranho que se aproximasse, envolvido pela graça da garota, só tinha olhos para ela:
Que menina linda!
Cresceu usando a força de sua beleza, enquanto Virgínia, apesar de menina bonita, foi-se apagando na exuberância da irmã, a quem aprendeu admirar através dos olhares dos outros. Gabriela, muito segura de si, deixava claras as suas vontades, que Virgínia, um pouco mais velha, procurava atender. Mais tarde, abria mão de qualquer compromisso para servi-la, fosse num trabalho de escola, ou apenas para lhe fazer companhia, quando aquela se desentendia com o namorado.
Se não tivesse esta irmã, talvez Virgínia encontrasse alguém, ou algo, atrás do que se esconder vida afora, como fazem muitas pessoas com outras histórias. Por algum motivo deixam de protagonizar a própria vida e passam a se satisfazer com a vida alheia. Algumas costumam se apresentar ao mundo como filha de fulano, namorada de sicrano. Em qualquer conversa lhes dão destaque. - Se meu pai estivesse aqui, ele diria tal coisa. Meu namorado é quem gosta disso, ou daquilo. Ninguém fica sabendo o que elas diriam, ou do que gostam, porque a figura do outro toma o seu lugar.
Outras se servem de citações - eficazes para fortalecer uma opinião -; mas recorrer constantemente à fala de autores como verdade absoluta, sem dialogar com eles, é mais uma forma de evitar exposição. Há, também, os que se escondem atrás de rótulos: os que nunca contestam, porque são compreensivos; os que não se arriscam por medo de errar, porque são perfeccionistas; os que estão sempre disponíveis, porque são prestativos.
Sem falar daquele que não tem tempo para atender a si mesmo, porque alguém precisa dele: uma mãe que não pode ficar sozinha, um filho bem crescido, que não se tornou independente. Havemos de lembrar, ainda, dos que se escondem atrás de um trabalho interminável, ou do muito que trabalham; além daqueles que usam como escudo uma religião, uma doença real ou imaginária, mesmo que esta não os tenha tornado incapazes. Tantos outros se prendem a uma idéia que pretendem realizar no futuro, para a qual nunca deram o primeiro passo. E por aí vai.
Admirar alguém a ponto de tomá-lo como exemplo, alegrar-se com as conquistas de outros, sacrificar-se em nome da solidariedade, são atitudes saudáveis, desde que não embotem nossa forma mais verdadeira de estar no mundo. Se circunstâncias de vida, convenções, ou a imagem que ajudamos a criar de nós mesmos, têm nos servido como álibi para nos distanciar da nossa plenitude, está na hora de revermos nosso lugar no mundo. Não será fácil, leva tempo, exige rompimentos, especialmente consigo mesmo, mas há uma força, lá no fundo, esperando ser resgatada. Valerá a pena.