sábado, 30 de janeiro de 2010

Então, o que você planta?

::Philip Chard::



"Não somos ricos pelo que temos, mas sim pelo que não precisamos ter." (Emmanuel Kant)

Sandy mora em um apartamento tão pequeno que, quando chega do supermercado, tem que decidir o que pôr para fora a fim de abrir lugar para suas compras. Ela luta dia a dia para alimentar e vestir a si mesma e a sua filha de quatro anos com o dinheiro de trabalhos literários autônomos e de bicos.

Seu ex-marido desapareceu há muito por alguma auto-estrada desconhecida, provavelmente para nunca mais reaparecer. Dia sim, dia não, seu carro decide que precisa de uma folga e recusa-se a andar. Isto significa ir de bicicleta (se o tempo permitir), andar ou pegar uma carona com amigos.

As coisas que a maioria dos norte-americanos considera essenciais para a sobrevivência - televisão, forno de microondas, aparelho de som e tênis caros - estão lá embaixo na lista de "talvez algum dia" de Sandy.

Comida nutritiva, roupas quentes, um apartamento acolhedor, os pagamentos do empréstimo estudantil, livros para sua filha, consultas médicas absolutamente necessárias e uma ocasional matinê de cinema consomem todo o dinheiro que há.

Sandy bateu em mais portas do que pode se lembrar, tentando conseguir um emprego decente, mas sempre existe algo que não se encaixa perfeitamente - experiência insuficiente ou do tipo errado, ou horários que tornam impossível tomar conta de uma criança.

A história de Sandy não é incomum. Muitos pais e mães solteiras e pessoas idosas lutam com nossa estrutura econômica, caindo naquele espaço ambíguo que existe entre ser realmente auto-suficiente e ser suficientemente pobre para receber ajuda do governo.

O que torna Sandy incomum é seu ponto de vista.

- Não possuo muito, no sentido de ter coisas ou do sonho americano - contou-me com um sorriso sincero. - Isso a incomoda? - perguntei.

- Às vezes. Quando vejo outra menina com uma idade próxima à da minha filha que tem roupas bonitas e brinquedos bons, ou que está andando num carro chique ou morando numa bela casa, me sinto mal. Todo mundo quer ser bem sucedido para seus filhos - respondeu.

- Mas você não se amargura?

- Ficar amargurada com o quê? Não estamos passando fome ou frio e tenho o que realmente importa na vida - replicou.

- E o que é isso? - indaguei.

- Do meu ponto de vista, não importa quantas coisas você compre, não interessa quanto dinheiro ganhe, você só fica com três coisas na vida - falou.

- O que você quer dizer com "fica"?

- Quero dizer que ninguém pode tomar isso de você. - E que três coisas são essas? - perguntei.

- Primeiro, as suas experiências. Segundo, seus amigos verdadeiros. Terceiro, aquilo que você planta dentro de si mesmo - ela respondeu sem hesitar.

Para Sandy, as "experiências" não estão em grandes acontecimentos. São momentos considerados comuns com sua filha, passeios no bosque, tirar um cochilo debaixo da sombra de uma árvore, ouvir música, tomar um banho de banheira ou assar pão.

Sua definição de amigos é mais extensa.

- Os amigos verdadeiros são aqueles que nunca saem do coração, mesmo que saiam da sua vida durante algum tempo. Quanto ao que plantamos dentro de nós, Sandy disse:

- Isso cabe a cada um de nós, não é? Não planto amargura nem arrependimento. Poderia, se quisesse, mas prefiro não fazê-lo. - Então, o que é que você planta? - perguntei.

Sandy olhou carinhosamente para a filha e então novamente para mim. Apontou para seus próprios olhos, que estavam iluminados de ternura, gratidão e um brilho de felicidade.

- Eu planto isso.

(Philip Chard - Entregue por Laurie Waldron) - Do Livro Histórias para Aquecer o Coração

Um comentário:

  1. Fernanda,
    Sou estudante de Psicologia na UFMG.
    Adorei seu blog.
    Abraços.
    Ana

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